sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Entrevista publicada na revista O GRITO!

Coordenador-geral Flávio Mamoha explica
metas da Articulação Musical Pernambucana
Por Hugo Montarroyos
27 Set, 2004


"Um instrumento jurídico de ação política". É assim que Flávio Mamoha, coordenador-geral da AMP (Articulação Musical Pernambucana) define o grupo. Criado em maio de 2003 para fiscalizar os órgãos públicos, reivindicar direitos de músicos e técnicos de som e apresentar propostas para a consolidação de um mercado musical em Pernambuco, a AMP é uma das criações mais salutares da recente história democrática no Estado. Afinal, é o tipo de discussão que interessa a todas as esferas envolvidas com produção de música: bandas, público, produtores, técnicos, políticos e etc. Ou você acha que vem de onde o dinheiro para a realização de festivais como Abril pro Rock, Rec Beat, PE no Rock e Pré-Amp, só para ficar nos exemplos mais óbvios ?Abaixo você confere a entrevista com Flávio Mamoha, feita no Teatro da UFPE logo após a realização do concurso que indicaria Azabumba como a banda que abriria o show do Capital Inicial. No bate papo, Mamoha conta o que é a AMP, como surgiu, a finalidade da entidade e a polêmica que envolveu a saída do ex-coordenador de música da Secretária municipal de Cultura Zé da Flauta.


Queria que você explicasse o que é a Amp.


Acho que seria legal explicar o contexto que a gente está vivendo. Tem-se discutido muito ultimamente a questão da cultura. E ela (a cultura) é um instrumento poderoso de afirmação de identidade das nações e dos povos. É também um instrumento de transformação social poderoso. E a UNESCO vem recomendando um investimento de pelo menos 3% do PIB em cultura. Enquanto que aqui no Brasil a gente só tem 0,5% do orçamento sendo investido pelo Ministério da Cultura. Então é uma discussão que envolve o poder público. Eu acho que a gente se acostumou com o processo da indústria fonográfica, que acabou gerando uma acomodação dos músicos, que em sua grande maioria ficam tocando nas garagens esperando ser descobertos por alguém de uma grande gravadora. Só que a indústria fonográfica está quebrando.
A produção independente está se expandindo cada vez mais, criando um mercado auto sustentável, e o Estado tem um papel importante a desempenhar diante desse cenário. Como qualquer outra atividade econômica, o Estado tem que incentivar e fomentar a cultura. Principalmente na parte de formação, que é obrigação do Estado. A gente já conversou com o Ministério da Cultura e falamos que aqui em Pernambuco vivemos uma carência muito grande de formação técnica de operadores de som e iluminadores. Aqui em Recife, se tivermos cinco bandas funcionando simultaneamente, você fica sem opção de técnicos de som e de iluminação. Esse é um dos motivos para a gente cobrar do poder público e apresentar propostas.
Outra questão que nos interessa é saber que tipo de evento o Estado vai bancar. Como a comunidade será envolvida nesse evento. Se for na esfera municipal, como o poder municipal vai envolver a comunidade nos eventos bancados pela prefeitura. Uma coisa que a gente questiona também é a proporção do investimento que é feito. Por exemplo: você pega um artista e coloca R$ 60 mil na mão dele. Você está investindo no artista. O que a gente vê acontecer aqui é o seguinte: tem festival que um cara vem de São Paulo e passa quatro dias hospedado bancado com dinheiro público. O cachê dele chega às vezes a R$ 30 ou R$ 40 mil. E no mesmo festival que esse cara vai tocar tem uma banda pernambucana que não tem nem uma Van para buscar a galera. Isso sem falar no cachê. Eu já soube que teve banda tocando por R$ 500. R$ 500 não é cachê!

E não há quem fiscalize isso ?


Não! É aí que surge a AMP. Esse ano a gente conversou com Bruno Lisboa (produtor do FIG) antes do Festival de Garanhuns, e pouco depois a gente soube que numa coletiva ele disse que os cachês das bandas estavam entre R$ 3 e R$ 5 mil. Só que quando foi rolar o Festival de Inverno a gente ficou sabendo que várias bandas receberam propostas de R$ 1,5 mil. E o pior é que a turma topa! Bem, aí a gente foi lá conversar com Bruno Lisboa. Ele não estava sabendo disso, até porque ele terceiriza o serviço. A gente conversou e deu resultado. As bandas passaram a receber R$ 2,5 mil. Não é o ideal ainda, mas pelo menos as bandas receberam um adicional. Esse é um tipo de ação que a AMP se propõe a fazer também.
Estamos acompanhando as políticas públicas e propondo alternativas para os órgãos públicos. Tem várias questões que a gente vem discutindo com a prefeitura e o governo do estado. Tem uma questão polêmica agora em relação a lei de incentivo a cultura, que foi criada para beneficiar produtores e artistas. Mas teve uma mudança estranha. Baixaram uma portaria dando a prerrogativa ao Estado de utilizar até 100% do dinheiro do povo. Isso significa que o Estado está dando um golpe na população!
E ninguém se dá conta disso ?
Não, é porque a coisa é feito muito na…(pausa)

É uma estrutura viciada ?


A estrutura permite esse tipo de coisa. Isso é que é complicado. A gente viu que tinha algo errado e começou a pressionar a coordenadoria de música. A gente pressionou e o cara (o ex-coordenador Zé da Flauta) terminou saindo. Mas a estrutura continua do mesmo jeito. Você até pode mudar a pessoa que coordena, colocar alguém que vai fazer um trabalho legal e tal. Mas se essa pessoa sai e chega alguém escroto, ele tem a condição legal para fazer o que quiser. A gente não pode fazer nada, ou seja, é preciso mexer nas estruturas também.

Como é que nasceu a AMP ?


A gente começou a se reunir com o pessoal do Cascabulho, do Eddie, Bonsucesso, Comadre Fulozinha, Faces do Subúrbio, Spyder.. teve mais gente, certamente estou esquecendo alguém… Além dos representantes dessas bandas, chamamos o pessoal da equipe técnica (que é o meu caso), gente de fotografia, de design, jornalistas, advogados ligados a música… A gente começou a se reunir por conta de uma divergência com a administração municipal.

Isso foi quando ?


Logo depois do carnaval de 2003. A gente começou a cobrar um maior espaço para a nova cena pernambucana no carnaval. Enquanto bandas do sul vinham tocar com cachês altos, as bandas daqui ficavam chupando dedo. Então fomos lá reclamar mesmo. O coordenador de música [nota: coordenador de música da Secretária de Cultura da Prefeitura do Recife] na época tratava todo mundo mal, era mal educado, e tinha critérios bem pessoais. Por exemplo: ele (o ex-coordenador de música Zé da Flauta) queria produzir o disco de Silvério pessoa. E Silvério resolveu chamar outro produtor. Aí o cara (Zé da Flauta), com raiva, passou a não mais chamar Silvério para a programação da prefeitura. Com o Cascabulho foi a mesma coisa. A banda tocou de graça no Marco Zero no dia da vitória de Lula. E durante três anos os caras não participaram de nada da programação. A questão é política mesmo. Política safada. Política escrota mesmo. A Comadre Fulozinha enfrentou o mesmo problema. Tudo isso foi criando uma indignação e a galera resolveu se reunir para fazer alguma coisa.
Articulamos uma reunião com o prefeito (em 2 de maio de 2003) munidos de um documento elaborado a partir de um discurso na imprensa do próprio coordenador de música contrapondo com o discurso do Hamilton Pereira, que foi o responsável pela elaboração do projeto de política cultural do PT, que hoje é o projeto nacional do partido. Foi uma coisa completamente oposta à linha seguida até então de favorecer o mercado, de achar que o que é chique é aquilo que tá na 2moda. E o Hamilton Pereira vinha com uma linha completamente contrária, dizendo que não é possível que o mercado tome conta da cultura, porque os interesses passam a ser meramente comerciais.

Quem era o responsável por toda essa celeuma. Era só o Zé da Flauta ?


O Zé da Flauta juntamente com toda a estrutura que permitia que ele tivesse o poder que estava tendo dentro da Secretaria de Cultura.

O que a AMP já conseguiu de resultado concreto nesse período ?


A gente participou da I Conferência Municipal de Cultura. A partir da conferência a gente conseguiu que no carnaval de 2004 houvesse uma fiscalização de todos os equipamentos e estruturas de todos os palcos. Uma coisa que a gente detectava é que o Marco Zero era o céu, o paraíso com tudo de bom e do melhor. Quando chegava no Alto José do Pinho o pessoal botava o palco de qualquer jeito, utilizava um equipamento que não funcionava direito.A gente propôs, e a prefeitura aceitou, que houvesse essa fiscalização. Teve uma empresa ligada a Amp que apresentou uma proposta muito boa, inclusive competindo com outra empresa, que o próprio Zé da Flauta estava articulando, mas ela acabou perdendo. A gente acabou executando o serviço. Eu participei como técnico de som. E teve um resultado muito bom, revertendo até em economia.
E a outra coisa, que acabou tendo mais visibilidade, foi a realização do Pré-Amp, que, ao contrário do que muita gente pensa, foi um coisa realizada na marra. Porque o secretário não queria, e o Zé da Flauta, menos ainda. Só que as coisas aconteceram de uma maneira lá dentro que a gente conseguiu convencer todas as instâncias de que seria uma coisa positiva. E acabou ficando todo mundo satisfeito. Inclusive o secretário reconheceu o valor e o préstimo que a Amp tá oferecendo para a administração pública.E de lá pra cá a gente vem respeitando essa relação, sempre com atuação crítica, sem fazer conchavo, sem vender a alma para ninguém. Estamos defendo aquilo que acreditamos, tendo como objetivo que Pernambuco venha a ter um mercado auto sustentável. Não queremos favor de ninguém, queremos ações estruturais dentro da cadeia coletiva de música. E vai chegar a um ponto que o mercado aqui em Pernambuco vai querer música pernambucana. Como acontece na Bahia, se bem que lá houve um detrimento, eles abriram mão da qualidade para criar uma indústria.
Tem um exemplo muito legal que é o que acontece no Rio Grande do Sul. Lá existe o apoio do Estado de uma forma democrática (eu estou citando governos do PT mas quero deixar claro que não somos filiados ao partido). Estou dando esse exemplo porque é o que tá chegando mais perto de uma coisa legal. Mas lá no Rio Grande do Sul o PT teve três administrações seguidas e eles fizeram três conferências municipais de cultura. E hoje em dia você tem artista do folclore popular inserido no mercado, vendendo 800 mil cópias lá dentro. Aqui ninguém conhece.. Fazendo um paralelo, seria como se Lia de Itamaracá vendesse 800 mil cópias aqui em Pernambuco. E eu acredito que a gente tem mercado para isso.


Quais são os próximos passos da Amp ?


A gente tá na batalha para confeccionar um catálogo da música pernambucana. Estamos articulando isso com várias instâncias do poder público, juntamente com a iniciativa privada, buscando patrocínio. Queremos confeccionar o catálogo em português e em inglês para apresentá-lo nas feiras de música que rolam mundo afora. É uma forma muito bacana de divulgar a música pernambucana.E fora isso já estamos pensando na segunda edição do Pré-Amp.Independente de quem assuma a prefeitura, nós estaremos prontos e abertos para negociar e criticar, como estamos fazendo desde a fundação da Amp.Afinal, a Amp é um instrumento jurídico de ação política.

é isso… quer participar ou saber mais sobre a AMP ?
Informações com Flávio Andrade Mamoha, coordenador geral da AMP: 8811-2272

Apresentação da AMP, distribuído no Festival Pré-Amp:
Articulação Musical Pernambucana (AMP)


A partir dos Anos 90, o cenário cultural de Pernambuco ganhou uma nova força, com o surgimento de diversos grupos e artistas ligados à música. Foi o aparecimento de algo novo, com inspiração nas raízes da cultura popular numa leitura contemporânea, conectada ao que há de mais atual no campo da tecnologia e da informação. Com um mínimo de organização e recursos, foram conquistados espaços importantes no contexto nacional e internacional. A partir daquele instante Pernambuco confirma sua posição enquanto referência estética.

Apesar das transformações no cenário cultural, do aquecimento da economia, geração de empregos e amadurecimento dos profissionais, do prestígio e reconhecimento, provocados a partir desta nova realidade, ainda é preciso sedimentar as conquistas e fortalecer as estruturas. O movimento esbarrou em diversas dificuldades políticas e de mercado.

É neste contexto que surge a AMP - Articulação Musical Pernambucana. Reunindo músicos, compositores, técnicos, agentes, produtores, jornalistas, designers, fotógrafos, enfim…Profissionais que acreditam e trabalham por uma produção artística de qualidade e pela consolidação de um mercado auto-sustentável e independente, com critérios éticos nas relações.

As propostas iniciais da AMP são:


Articular os atores da cena musical pernambucana, promovendo o debate e a discussão sobre questões referentes à produção musical;


Firmar parcerias com órgãos públicos e entidades não-governamentais, oferecendo apoio técnico para realização de projetos sócio-culturais;


Divulgar informações - obtidas tanto do setor público quanto do privado - sobre mecanismos de incentivo e apoio à realização de projetos musicais;


Realizar oficinas, palestras e seminários objetivando o aperfeiçoamento daqueles que atuam na área e a capacitação de novos profissionais;


Promover o debate e a discussão, junto aos representantes do poder público, sobre as ações e os rumos das políticas públicas relativas ao setor musical.
Saudações Musicais!!!
da Assessoria de Imprensa

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